Filho teu não foge à luta

Após 6 anos fora da Secretaria do Tesouro Nacional, estou retornando para minha instituição de origem no serviço público. Hoje saiu minha nomeação para o cargo de Subsecretário de Planejamento e Estatísticas Fiscais. Recebi o convite para integrar a equipe pela Secretária Ana Paula Vescovi, colega que tenho completa confiança e admiração.

Durante o período em que estive fora da instituição, nunca deixei de carregar os seus valores. Na verdade tenho orgulho da missão do Tesouro em “gerir as finanças públicas em respeito ao contribuinte de hoje e de amanhã”. Quando há um desajuste entre receitas e despesas do governo, sempre alguém paga essa conta: pobre ou rico, cidadãos de hoje ou nossos filhos. É por isso que temos que sempre buscar resolver nossos problemas de financiamento das diversas atividades do governo de forma transparente e equilibrada, para que não cometamos injustiças nas suas diversas formas.

Não foi fácil a decisão de sair do Senado Federal. A experiência tem sido maravilhosa para compreender as decisões que vão além do escopo técnico (por vezes até fogem), mas que são fundamentais para manter o valor da democracia em nossa sociedade. Conheci e trabalhei com pessoas competentíssimas nesse período. Agradeço enormemente a confiança e o convite do Senador Ricardo Ferraço em integrar a sua equipe. Poderia continuar exercendo essa tarefa por mais alguns anos com muita satisfação.

Mas o dever falou mais alto. O Tesouro Nacional passou recentemente por um dos momentos mais críticos da história e é preciso juntar esforços para criar os novos alicerces da instituição. Ademais, os desafios atuais são enormes para o reequilíbrio das contas públicas brasileiras. Não há soluções milagrosas, será preciso aprofundar nas reformas estruturais de forma pragmática, convergindo as políticas públicas e a atuação do estado brasileiro aos padrões internacionais. Minha principal missão será melhorar o instrumental de planejamento fiscal de médio/longo-prazo, integrar esse planejamento com as avaliações de curto-prazo e analisar os principais programas de governo objetivando buscar possíveis fontes de economia, além da maior eficiência, eficácia e efetividade do gasto público.

Espero que consiga contribuir de fato com o aprimoramento institucional e permaneço aberto a receber sugestões que possam aprimorar os trabalhos, assim como prestar os devidos esclarecimentos públicos sobre as atividades realizadas na instituição.

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Apresentação no CONSAD 2016: Situação Fiscal dos Estados e Agenda de Reformas

No dia 10 de junho fiz a palestra de encerramento do IX Congresso do Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Administração. Procurei responder as seguintes questões em minha apresentação:
1) Por que chegamos nesta situação fiscal?
2) Como foi o forte ajuste realizado em 2015?
3) Como anda o ajuste em 2016?
4) Quais são as perspectivas?
5) Quais problemas já diagnosticados e as medidas a serem endereçadas?
Ou seja, a apresentação faz um passeio geral sobre a situação fiscal e financeira dos estados e serve como material de consulta de forma objetivo e resumido.

ARQUIVO DA APRESENTAÇÃO EM PDF: CONSAD BRASILIA 2016 PDF

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Despesas de Exercícios Anteriores: “Devo e não reconheço, pago quando puder”

Principais mensagens:

1) As despesas de exercícios anteriores não são iguais aos restos a pagar. A diferença reside no reconhecimento da obrigação no seu momento apropriado. Os restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até o final do exercício. Ou seja, há um registro e a utilização do orçamento no momento, ou pelo menos no ano, de realização da despesa. Despesas de exercícios anteriores são aquelas despesas que ocorreram, mas não houve registro e nem foi utilizado o orçamento à época. Ou seja, se assemelham a “esqueletos” que serão reconhecidos e apropriados apenas no(s) exercício(s) seguinte(s).

2) A Lei 4320/1964 prevê a utilização dessa modalidade apenas em casos excepcionais. Afinal, a Constituição Federal, no artigo 167, deixa a regra clara: “São vedados: II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

3) Em conversas com colegas especialistas da área de finanças públicas, para o nível estadual, verifiquei que há alguns incentivos perversos para o registro da despesa por essa modalidade: (1) não apresentar a real situação das contas no processo de discussão do orçamento pela subestimativa das despesas obrigatórias; (2) durante a execução, ao não realizar o empenho, distorcer o impacto sobre o resultado primário para fins de cumprimento das metas fiscais; (3) reduzir o comprometimento das despesa para fins de verificação dos limites da despesa de pessoal estabelecidos na LRF e da dívida em Resolução do Senado e (4) mascarar a assunção de obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato, sem deixar disponibilidade de caixa, para cumprimento do artigo 42 da LRF.

4) O reconhecimento de despesas de exercícios anteriores, apenas no nível estadual, atingiu R$ 15,4 bilhões em 2015. Um aumento expressivo de 44% em relação ao exercício de 2014, revelando uma face perversa dos problemas fiscais dos estados. O que deveria ser considerado excepcional está se tornando regra. Muitos governadores, em 2015, assumiram seus mandatos com esqueletos dos seus antecessores e tiveram que registrar esses compromissos nessa rubrica.

5) Acredita-se que uma parte significativa da utilização dessa rubrica se dá de forma ilegal (realização de despesa sem autorização orçamentária). É importante destacar que a análise deve ser feita caso a caso e OS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS SÃO QUEM POSSUEM A COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A QUESTÃO. Defende-se a necessidade de padronização mínima da metodologia dos tribunais para essa avaliação, sob pena de colocarmos todo o avanço do marco institucional fiscal em vigor sob perigo.

Texto Completo:

As despesas de exercícios anteriores (DEA) não são iguais aos restos a pagar. A diferença reside no reconhecimento da obrigação no seu momento apropriado. Os restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até o final do exercício. Ou seja, há um registro e a utilização do orçamento no momento, ou pelo menos no ano, de realização da despesa. Despesas de exercícios anteriores são aquelas despesas que ocorreram, mas não houve registro e nem foi utilizado o orçamento à época. Ou seja, se assemelham a “esqueletos” que serão reconhecidos e apropriados apenas no(s) exercício(s) seguinte(s).

De acordo com o art. 37 da Lei 4.320, de 1964, existem três situações para o registro em despesas de exercícios anteriores: (1) Despesas para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria; (2) Restos a Pagar com prescrição interrompida e (3) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente. Apesar dessas hipóteses, a Constituição Federal de 1988 é bem clara na exigência do princípio da universalidade. Em seu art. 167 está escrito: “São vedados: II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

Dessa forma, entende-se que a classificação em despesas de exercícios anteriores deve ser em caráter excepcional e utilizada com muito critério. O exemplo clássico utilizado para o registro dessas despesas é uma sentença judicial em que se decida que o Estado deve pagar indenizações aos servidores públicos de perdas salariais por causa de planos econômicos anteriores. Ou seja, não havia uma obrigação financeira a ser reconhecida antes dessa decisão e, de repente, apareceu esse esqueleto. O estado deve registrá-la como despesas de exercícios anteriores.

Outro exemplo que podemos citar é o caso de uma prefeitura que tenha inscrito determinada despesa com fornecedores em restos a pagar processados. Diante da escassez de caixa o Prefeito, ao encerrar seu mandato, publicou Decreto obrigando que todos os gestores cancelassem empenhos até o limite da disponibilidade de caixa, inclusive os que já estavam inscritos em restos a pagar processados. Em função do cancelamento, que não se traduz numa prática prevista na legislação, mas acontece no mundo real, o credor perdeu o direito de receber o crédito? Claro que não. A nova administração da prefeitura terá que reconhecera dívida e pagá-la a conta de dotação de exercício corrente, em rubrica de “despesas de exercícios anteriores”.

Em conversas com colegas especialistas da área de finanças públicas, verifiquei que há alguns incentivos perversos para o registro da despesa por essa modalidade: (1) não apresentar a real situação das contas no processo de discussão do orçamento pela subestimativa das despesas obrigatórias; (2) durante a execução, ao não realizar o empenho, distorcer o impacto sobre o resultado primário para fins de cumprimento das metas fiscais; (3) reduzir o comprometimento das despesa para fins de verificação dos limites da despesa de pessoal estabelecidos na LRF e da dívida em Resolução do Senado e (4) mascarar a assunção de obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato, sem deixar disponibilidade de caixa, para cumprimento do artigo 42 da LRF.

No caso das distorções dos valores da despesa de pessoal, para fins de verificação dos limites estabelecidos na LRF, é importante ressaltar que o Manual de Demonstrativos Fiscais elaborado pelo Tesouro Nacional estabelece que as despesas de exercícios anteriores sejam computadas na despesa líquida da folha se o momento de apuração for dentro dos 12 meses anteriores. Dessa forma, essa distorção só promoveria uma postergação da apuração das despesas para os quadrimestres seguintes. No entanto, não existe um enforcement dos manuais do Tesouro Nacional sobre os entes federados, podendo haver interpretações diversas dependendo do entendimento dos tribunais de contas dos estados.

O registro das despesas de exercícios anteriores pode ocorrer por erros involuntários de planejamento, ao não fixar as despesas no montante suficiente para o atendimento de todas as obrigações ou de forma intencional, para mascarar o cumprimento das metas estabelecidas na LDO ou das exigências trazidas pela LRF. Acredita-se que uma parte significativa da utilização dessa rubrica se dá de forma ilegal (realização de despesa sem autorização orçamentária). É importante destacar que a análise deve ser feita caso a caso e OS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS SÃO QUEM POSSUEM A COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A QUESTÃO. Defende-se a necessidade de padronização mínima da metodologia dos tribunais para essa avaliação, sob pena de colocarmos todo o avanço do marco institucional fiscal em vigor sob perigo.

Gráfico 1: Execução das Despesas de Exercícios Anteriores, em R$ milhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Este trabalho apurou os registros das despesas de exercícios anteriores para os anos de 2014 e 2015 (primeiro ano de mandato). Só é possível extrair as informações sobre as despesas de exercícios anteriores no Balanço Anual dos estados, onde são informados a execução orçamentária detalhada pelo elemento da despesa.

O reconhecimento de despesas de exercícios anteriores, apenas no nível estadual, atingiu R$ 15,4 bilhões em 2015. Um aumento expressivo de 44% em relação ao exercício de 2014, revelando uma face perversa dos problemas fiscais dos estados. O que deveria ser considerado excepcional está se tornando regra e assumindo proporções muito elevadas.

Muitos governadores, ao assumirem o mandato em 2015, verificaram esses passivos e foram obrigados a inscreverem esses esqueletos na rubrica de DEA. Ou seja, buscou-se regularizar todas as obrigações do ponto de vista orçamentário e, a partir daí, adotar os procedimentos apropriados.

Gráfico 2: Execução das Despesas de Exercícios Anteriores, em R$ milhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Em relação à distribuição das despesas de exercícios anteriores por grupo de despesa, observa-se que a maior parte do reconhecimento se dá na rubrica de custeio, com R$ 6,4 bilhões. O que revela a provável insuficiência orçamentária para honrar esses compromissos. Em seguida temos as despesas de pessoal (R$ 5 bilhões) que pode significar a tentativa de burlar os limites da LRF, conforme conversas com colegas especialistas da área, e, em terceiro lugar, o reconhecimento dos investimentos, com R$ 3,8 bilhões.

Gráfico 3: Execução Despesas de Exercícios Anteriores por Grupo de Despesa, em %
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Lembro, mais uma vez, que a execução das despesas de exercícios anteriores não é uma ilegalidade a princípio. Está prevista em Lei. Cabem aos tribunais de contas estaduais avaliarem a apropriação e o registro correto das despesas para tratar dessa questão. Daí a importância de estabelecermos padrões nacionais de atuação.

ARQUIVO EM PDF: PAPER DEA PDF

Referência bibliográfica para os aspectos teóricos e práticos das Despesas de Exercícios Anteriores:
Livro Gestão de Finanças Públicas – 3ª edição – dos autores Claudiano Albuquerque, Márcio Medeiros e Paulo Henrique Feijó

Despesas de Pessoal e a LRF (Valor Econômico 10/6/2016)

Principais mensagens:

* A atual crise dos estados é justifica pelos efeitos negativos da recessão econômica sobre as receitas e, principalmente, pelo forte crescimento das despesas de pessoal nos últimos anos. De 2009 a 2015, de acordo com dados do Tesouro Nacional pela metodologia do PAF, as despesas de pessoal cresceram 38% em termos reais.

* Apesar da maioria dos estados estarem com “folga” nos limites de endividamento, a maior parte deles encontra-se com situação financeira grave, mostrando que o maior problema não é de dívida, mas do excesso de despesas obrigatórias.

* O forte crescimento das despesas de pessoal só ocorreu pela “criatividade” nos registros pelos governos estaduais, para fins de cumprimento dos limites da LRF. Hoje, uma pequena parcela dos estados se encontra dentro desses limites, quando os dados são ajustados pela metodologia da execução orçamentária.

* Observa-se, em 2016, o início do processo de controle desse componente do gasto. Na variação anual acumulada até o 2º bimestre de 2016, os estados elevaram essas despesas em 6%, inferior à taxa de inflação do período de 9,3%. Em 2015, as despesas de pessoal cresceram 11%, acima da inflação, em boa parte explicada pelos aumentos salariais concedidos no mandato anterior, com repercussões financeiras nos anos seguintes.

Texto Completo:

Os limites da despesa de pessoal são fixados pela LRF e demonstrados no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) da LRF. Pela LRF são permitas deduções a serem realizadas para apuração dessas despesas como as indenizações por demissão, despesas com sentenças judiciais no período anterior, despesas de exercícios anteriores, pagamento de inativos e pensionistas com recursos vinculados.

Os estados têm utilizado de duas formas para burlar esse conceito de despesa de pessoal. A primeira se dá na tentativa de aumentar as despesas que são passíveis de abatimento, como a não realização o empenho de parte das despesas de pessoal e classifica-la como despesas de exercícios anteriores no ano seguinte ou vincular recursos de compensações ao pagamento de inativos (recursos vinculados).
A segunda forma de burlar o conceito é utilizar a criatividade para retirar despesas de pessoal, como por exemplo, o não classificação do recolhimento do imposto de renda retido na fonte como despesas de pessoal, pagamento de indenizações, auxílios, etc. Por fim, existe uma tendência em vários estados em gerenciar algumas atividades de estado por organizações sociais para ter mais flexibilidade administrativa e eficiência ou mesmo a ampliação da terceirização. Essas formas são classificadas como custeio.

Gráfico 1: Crescimento real das despesas de pessoal entre 2009 e 2015, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Este trabalho utilizou o conceito de pessoal trazido do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (anexo 1), onde foram excluídas as despesas de pessoal intra-orçamentárias para evitar duplicidade. Como esse relatório não é utilizado para fins de verificação do cumprimento dos limites de pessoal, os incentivos para burlar os dados são menores e, dessa forma, ele traz a informação mais próxima da realidade. Observa-se que a vasta maioria dos estados apresentaram despesas de pessoal acima do limite fixado da LRF em 60%. Um resultado bem diferente da apuração pelo RGF.

Gráfico 2: Despesas de pessoal acumuladas em 12 meses até abril, em % da RCL
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* Estados que classificam parte das despesas de pessoal como custeio. Esses valores foram somados.
Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Foi analisado, também, que as despesas de pessoal acumuladas até o final do 2º bimestre deste ano, comparadas com o mesmo período do ano anterior, apresentaram crescimento de 6%, em termos nominais, valor inferior à inflação do período de 9,3%. Ou seja, verifica-se um esforço fiscal dos estados para conseguir controlar esse componente neste ano. Esse resultado é diferente do observado em 2015, quando as despesas de pessoal cresceram 11%, acima da inflação, em boa parte explicada pelos aumentos salariais concedidos no mandato anterior, com repercussões financeiras para o governante seguinte. O PLS 389/2015, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, busca sanar essa brecha existente na LRF.

Gráfico 3: Variação anual das despesas de pessoal, acumulada até o 2º bimestre, em %
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Por fim, o estado atualizou os dados do percentual das despesas dos governos estaduais pelos principais componentes. Observa-se que a folha de pagamento é o maior componente, de longe, das despesas estaduais. Vale ressaltar que uma parte significativa do que está classificado como custeio se trata de benefícios e auxílios vinculados à folha de pagamento, assim como contempla as despesas com terceirização e organizações sociais. Ou seja, uma definição mais ampla das despesas de pessoal revelaria um número significativamente maior.

É interessante também observar que os serviços da dívida, comumente utilizados como causa da atual crise, representa apenas 15% do que se gasta de pessoal. Ou seja, ele está longe de ser a causa do desequilíbrio financeiros que os estados passam no atual momento. O “pato feio” da história é o investimento, pobre coitado, sempre utilizado como variável de ajuste nos momentos de crise pela forte rigidez das regras do setor público que inviabilizam os cortes das despesas correntes.

Gráfico 4: Componentes da despesa, em % da RCL
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

ARQUIVO EM PDF: Texto em PDF

REPORTAGEM DO VALOR ECONÔMICO: Reportagem Valor em PDF

Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal aprova a “Nova Lei das Finanças Públicas”

A Comissão de Assuntos Econômicos aprovou nesta terça-feira, 17/5/2016, o relatório do Senador Ricardo Ferraço que apresentou o substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 229, de 2009, de autoria do Senador Tasso Jereissati. O projeto agora vai para o Plenário do Senado Federal.

Desde o dia 8 de março, a votação do Relatório havia sido suspensa, por meio das vistas coletivas, a pedido por dos representantes do Governo. O objetivo foi realizar uma avaliação minuciosa no texto do projeto. Dessa forma, foi formado um grupo técnico de trabalho no âmbito do Executivo envolvendo a Casa Civil, Secretaria de Governo, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, CGU, além de outros ministérios setoriais como Saúde e Defesa. Foram também realizadas reuniões com o Tribunal de Contas da União, com objetivo de ouvir preocupações e colher sugestões.

Pode-se observar que esse procedimento se revelou extremamente importante. No geral, o texto foi simplificado, procurando eliminar temas para os quais não há necessidade de regulamentação por lei complementar, bem como foram suprimidas algumas passagens que estavam excessivamente detalhadas para esse tipo de legislação. Com isso, o texto foi reduzido de 93 para 81 artigos, melhorando a qualidade geral do conteúdo.

Os principais conteúdos alterados foram:
a) Atualização das definições de alguns termos técnicos para compatibilizá-los com práticas atuais do Executivo.
b) Eliminação da exigência de criação de um Sistema Nacional de Investimentos Públicos, por entender que algumas disposições estavam excessivamente detalhadas, mas foi mantida a ideia de aprovar-se uma norma geral federal para esses investimentos, o que parece ser mais adequado para uma lei complementar.
c) Adição da possibilidade de utilização do cancelamento dos restos a pagar como uma fonte de abertura de crédito adicional.
d) Adequação dos procedimentos de execução da despesa de forma a melhor contemplar a estrutura dos órgãos militares.
e) No título de Fundos, simplificação e adequação do texto para não confrontar com as legislações dos fundos existentes.
f) Em relação à contabilidade, realização de ajustes para buscar atender sugestões apontadas pelo TCU e pelo órgão central de contabilidade da União, com melhor definição de responsabilidades sobre as normas contábeis a serem seguidas.
g) Em relação aos procedimentos de avaliação de programas, foi retirado o detalhamento excessivo da metodologia a ser seguida, tornando-o passível de adequação de acordo com a realidade do ente federado.
h) No capítulo de controle interno, recepção de sugestões oriundas de técnicos da Controladoria Geral da União, com melhor definição de suas atribuições e responsabilidades, bem como inserção de sugestões de técnicos do TCU quanto ao controle externo.

Nas reuniões técnicas, viu-se que este projeto, por seu escopo e sua importância, deveria ser tratado como um tema suprapartidário e que, de fato, deveria ser construído com sugestões de vários órgãos. O relatório deste projeto se encontra compatível com as boas práticas internacionais de gestão das finanças públicas, se trata de um reforço importantíssimo ao marco regulatório vigente e reflete um tema estruturante e fundamental para o desenvolvimento sustentável e equilibrado do país.

Resumo do Projeto

O Projeto de Lei do Senado 229/2009 tem o objetivo de atualizar o marco legal das finanças públicas, a Lei 4.320, de 1964, que completou neste ano 52 anos. O relator Ricardo Ferraço apresentou o substitutivo atualizando o projeto com as tendências observadas na gestão das finanças públicas dos últimos seis anos, além das sugestões feitas, fruto de diversas reuniões, com vários órgãos do poder executivo, além do Tribunal de Contas da União.

Esse Projeto se insere no contexto de aperfeiçoamento do marco legal para o exercício eficiente das atividades de todo o setor público do país. Atualmente, existem cinco frentes de batalhas de reformas institucionais no âmbito fiscal:

1) A “Nova Lei das Finanças Públicas”

2) Reforçar a Lei de Responsabilidade Fiscal para vedar as brechas utilizadas nos últimos anos, que geraram interpretações distorcidas dos dispositivos e que causaram graves danos à economia brasileira.

3) Estabelecer o Limite da Dívida da União;

4) Revisitar os critérios, procedimentos e limites de endividamento dos estados e municípios nas resoluções do Senado;

5) Regulamentar e implantar, no âmbito do Senado Federal, a Instituição Fiscal Independente, que trabalhará como um “cão-de-guarda” para avaliar as medidas fiscais tomadas pelo poder executivo.

A “Nova Lei das Finanças Públicas” é longa e complexa. Ao todo, o substitutivo do relatório contém 81 artigos que tratam de todas as etapas de planejamento, da elaboração e da execução do orçamento, da contabilidade e do controle.

O substitutivo teve a preocupação de endereçar medidas para resolver os seguintes problemas:
a) Desarticulação do planejamento público para a alocação da despesa pública considerando critérios de médio prazo
b) Orçamento irrealista com despesas além da capacidade fiscal do Estado
c) Gestão fiscal na “boca do caixa”, com acúmulo elevado de restos a pagar
d) Baixa qualidade dos gastos públicos (notadamente os investimentos)
e) Insegurança jurídica com legislação de caráter permanente sendo repetida anualmente nas LDOs
f) Falta de convergência da contabilidade e da avaliação de políticas públicas aos padrões e melhores práticas internacionais

O relator do projeto indica que o principal problema que esta proposta pretende endereçar, é o “irrealismo orçamentário”. O que se observa é que a conjuntura fiscal atual está além do limite que qualquer um pudesse imaginar.

Em 2016, o governo indica que o orçamento está inflado em mais de R$ 150 bilhões. O montante de restos a pagar do governo federal, aquelas despesas que o governo já contratou e não pagou, chegou ao montante de R$ 186 bilhões em 2016 e, no nível estadual, chegou a cifra de R$ 63 bilhões. Trata-se de um verdadeiro orçamento paralelo que, usado de forma indiscriminada, fere o princípio da anualidade orçamentária prevista na Constituição.

A nova lei exige que o Plano Plurianual (PPA) seja simplificado e compatível com o programa do candidato eleito ao cargo no Executivo. Antecipa-se os prazos de envio e apreciação do PPA para torná-los iguais aos da LDO, com objetivo de torná-lo compatível com o orçamento a partir do segundo ano do mandato do chefe do poder executivo. Ademais, exige-se que os entes com mais de duzentos mil habitantes explicitem a estratégia fiscal prospectiva de dez anos, cujo objetivo é introduzir, nas discussões de sustentabilidade das políticas públicas, o horizonte temporal de longo prazo.

A lei prevê a criação de normas para disciplinar a avaliação e execução dos projetos de investimento público, exigência válida para os entes da Federação com mais de duzentos mil habitantes, ou seja, estamos falando de uma medida para a União, Estados e 143 municípios.

A ideia é que haja um banco de projetos, com acesso público, constituído por projetos de investimentos que receberam parecer técnico pela aprovação, trazendo informações que permitam o monitoramento das obras. Com isso, espera-se que os projetos sejam melhor planejados e organizados antes serem inseridos no orçamento ou terem sua execução iniciada.

Exige-se, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o quadro fiscal de médio prazo, indicando o espaço fiscal para novos gastos, de forma a impedir que se assumam novas obrigações sem previsão de como financiá-las.

Além disso, a LDO definirá a previsão de receita que deverá constar na Lei Orçamentária, quebrando os incentivos que existem hoje, onde os congressistas elevam artificialmente a previsão de receita para colocar suas emendas. Essa medida traz maior realismo ao orçamento. Sem as receitas artificiais, espera-se o amadurecimento das discussões do orçamento entre os poderes, cabendo ao parlamento apontar onde se deve cortar despesas para que as metas fiscais sejam alcançadas.

Quanto à Lei Orçamentária, passa-se a exigir um quadro anexo que contenha as estimativas de desembolso para cada projeto de investimento plurianual, demonstrando o impacto futuro das decisões hoje aprovadas. Atualmente, os projetos de investimentos novos competem no orçamento com os projetos em execução, gerando as chamadas “obras inacabadas”, interrompidas por falta de recursos. Neste substitutivo, exige-se que as obras já em execução tenham prioridade sobre as novas.

O projeto também altera os prazos de envio dos projetos da LOA para as assembleias estaduais (15 de setembro) e municipais (30 de setembro), objetivando que os entes já saibam o montante de transferências que irão receber e façam o seu próprio orçamento em bases mais realistas.

Na execução orçamentária, exige-se o fortalecimento do mecanismo criado na LRF que restringe a inscrição de despesas em restos a pagar. Está previsto que o governante só poderá fazer a inscrição se tiver saldo suficiente em caixa em todos os anos de seu exercício. O objetivo é restringir a assunção de obrigações sem que haja disponibilidade financeira para honrá-las.

Na área de contabilidade, onde a Lei 4.320 está bem desatualizada, deixa-se claro que o objeto da contabilidade aplicada ao setor público será o patrimônio do ente, tendência observada internacionalmente. A Lei traz os princípios básicos da contabilidade do setor público e o órgão central de contabilidade da União detalhará normas específicas, e que devem ser ratificadas pelo conselho de gestão fiscal previsto na LRF.

Quanto à avaliação das políticas públicas, exige-se que os entes façam avaliações periódicas das políticas públicas e sua articulação com o ciclo orçamentário. Deve-se verificar a viabilidade e oportunidade de se manter os programas governamentais com base em indicadores de desempenho.

A carga tributária do país chegou a 33% do PIB, bem acima da média dos países latino-americanos (21,7%), ao mesmo tempo em que a oferta e a qualidade dos serviços públicos deixam muito a desejar. Esse projeto tem um caráter estruturante, busca melhorar a gestão das finanças públicas o que implicará na melhoria da organização e da qualidade dos serviços públicos como um todo. Trata-se de uma medida em prol de um estado mais eficiente no país.

LINK DO RELATÓRIO DO PROJETO APRESENTADO PELO SENADOR RICARDO FERRAÇO: ARQUIVO EM PDF PLS 229/2009 APROVADO SENADO

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“Restos a pagar” crescem 31% e explicam 2/3 a melhora do resultado fiscal dos estados em 2015 (Valor Econômico 25/4/2016)

Principais mensagens:

1) Atrasar pagamentos não significa fazer ajuste fiscal, a obrigação continua existindo e terá que ser paga. Observa-se que a melhora do resultado fiscal apurado pelo Banco Central no ano de 2015 foi explicada em 2/3 (dois terços) pelo aumento dos restos a pagar.

2) O montante de restos a pagar atingiu R$ 63 bilhões em 2016 e revela a forte restrição financeira que os estados passam. Ao contrário da União que pode elevar seu endividamento e dispõe de maior flexibilidade para honrar seus compromissos financeiros, os estados precisam de autorização para se endividar e, dessa forma, recorrem a dívidas com fornecedores.

3) A capacidade de atrasar pagamentos a fornecedores está chegando no limite em 2016. Há um enorme custo à economia com os atrasos e a imprevisibilidade dos pagamentos. Fornecedores passam por dificuldades e cadeias de suprimento podem ser interrompidas. Ademais, há perdas irreparáveis de reputação de “bom pagador” do governo (risco) que se refletem em sobrepreço nos processos licitatórios.

4) O único alívio financeiro que os estados têm no horizonte é a proposta de renegociação da dívida com alongamento dos vencimentos e redução temporária no fluxo de pagamento dos serviços da dívida, com exigências de maior controle das despesas de pessoal (principal fator de desajuste fiscal). Essa proposta, no entanto, está sofrendo modificações no Congresso e tudo indica que devem aprovar as “benesses”, sem as “contrapartidas”, o que levará a uma nova necessidade de renegociação em breve.

Texto Completo:

Pela Lei 4320, de 1964, restos a pagar são despesas empenhadas, mas não pagas até 31 de dezembro. Para quem não é familiarizado com os conceitos de finanças públicas, a execução da despesa se dá em, pelo menos, três etapas: o empenho, a liquidação e o pagamento. O empenho é realizado quando se chega ao final de um processo licitatório e o estado faz a contratação do serviço. A liquidação se dá quando o fornecedor entregou os bens ou prestou os serviços contratados, ou seja, é o reconhecimento formal que existe obrigação a pagar do estado. Por fim, o pagamento, quando essa obrigação se extingue.

Dessa forma, os restos a pagar são aquelas despesas que o estado contratou e, muitas vezes, o fornecedor já prestou os serviços, mas que ainda não houve o pagamento. O pagamento dos restos a pagar independe de autorização orçamentária, uma vez que foi utilizado o orçamento do ano anterior. Ele faz parte da execução orçamentária do ano anterior, mas pendente da execução financeira. Pela metodologia de apuração do resultado fiscal do Banco Central, que é o dado oficial quanto ao cumprimento da meta pelo setor público, o impacto fiscal da despesa se dá no pagamento e, dessa forma, não é possível capturar esses compromissos que existem e que ainda devem ser pagos.

Há dois tipos de restos a pagar: os processados e os não processados. Os não processados se referem a despesas que foram apenas empenhadas, não foram liquidadas e pagas. Os processados se referem a despesas que foram empenhas e liquidadas, ou seja, os fornecedores já prestaram os serviços e o estado tem uma obrigação formal de pagamento.

Na apuração do resultado primário dos estados pelo Banco Central, pode-se constatar que os estados apresentaram melhora do resultado primário em R$ 22,3 bilhões ao longo de 2015 (saiu de um déficit de R$ 13,2 bilhões em dezembro de 2014 para um superávit de R$ 9,1 bilhões no final de 2015). No entanto, esse resultado esconde o fato de que essa melhora ocorreu, não pelo corte de despesas, mas pela postergação dos seus pagamentos. O volume de inscrição dos restos a pagar passou de R$ 48,2 bilhões em 2015 para R$ 62,9 bilhões em 2016, uma alta de R$ 14,7 bilhões, que representa 66% da melhora do resultado primário em 2015 pela ótica de caixa. Para se ter uma ideia do montante dos restos a pagar inscritos para este ano, eles representam 1,8 vez o total de investimentos realizados em 2015 (R$ 35 bilhões).

Gráfico 1: Restos a Pagar Inscritos em 2015 e 2016, em R$ bilhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Os dados deste estudo foram obtidos pelo Relatório Resumido de Execução Orçamentária de cada estado. Foram excluídos da amostra os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por ainda não terem divulgado os relatórios do 1º bimestre de 2016. O aumento total dos restos a pagar de R$ 14,7 bilhões foi concentrado nos processados que foram responsáveis pelo aumento R$ 11,9 bilhões, enquanto os não processados responderam por R$ 2,9 bilhões. Ou seja, esse aumento foi concentrado na situação em que os serviços que já foram prestados pelos fornecedores e o estado está atrasando esses pagamentos, relevando a forte restrição financeira que os estados passaram no ano de 2015 para honrar seus pagamentos.

Gráfico 2: Restos a Pagar Inscritos em 2016, em R$ bilhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Observa-se que o montante de restos a pagar é proporcional ao tamanho do orçamento de cada estado, algo já esperado pois se trata de uma forma de execução de despesa prevista em Lei. Dessa forma, os estados do Sudeste e Sul concentram os maiores volumes de restos a pagar como pode ser constatado no Gráfico 3.

Este estudo propõe um indicador para medir o stress financeiro que os estados passam, trata-se do crescimento do montante de restos a pagar inscritos em comparação com o ano anterior. Ao contrário da União que tem certo grau de liberdade para aumentar seu endividamento, os estados dependem de autorização para conseguir esse objetivo. O esforço fiscal que os estados fazem é fortemente motivado por suas restrições financeiras. Como 2015 foi um ano de forte queda de arrecadação e de limitação do endividamento, a válvula de escape dos estados foi incorrer em dívidas junto aos fornecedores (aumento dos restos a pagar).

No Gráfico 3 estão apresentados, em ordem decrescente, a taxa de crescimento dos restos a pagar inscritos por estado em 2016. Dos 6 estados que tiveram maior crescimento do volume de restos a pagar, apenas Pernambuco ainda não teve problema para pagar o salário dos servidores em dia. Distrito Federal, Sergipe, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro já apresentaram insuficiência de caixa para honrar essas despesas obrigatórias e apresentam um quadro bem desafiador para este ano. Dessa forma, esse indicador parece ter uma boa aderência sobre os problemas que os estados passam neste ano.

Gráfico 3: Variação dos Restos a Pagar Inscritos em 2016, em comparação com 2015
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Gráfico 4: Restos a Pagar Inscritos em 2016, em comparação com a RCL de 2015
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

O ano de 2016 iniciou com um cenário mais desafiador que o início do ano passado. As primeiras informações sobre arrecadação do ano relevam uma queda real média de 15% em relação ao mesmo período do ano anterior. A economia não dá qualquer sinal que se recupera. A capacidade de atrasar pagamentos a fornecedores está chegando no limite em 2016. Há um enorme custo à economia com os atrasos e a imprevisibilidade dos pagamentos. Fornecedores passam por dificuldades e cadeias de suprimento podem ser interrompidas. Ademais, há perdas irreparáveis de reputação de “bom pagador” do governo (risco) que se refletem em sobrepreço nos processos licitatórios.

O único alívio financeiro que os estados podem ter seria essa proposta de renegociação da dívida com alongamento dos vencimentos e redução temporária no fluxo de pagamento dos serviços da dívida, com exigências de maior controle das despesas de pessoal por parte dos entes (principal motivo dessa crise). Essa proposta, no entanto, está sofrendo modificações no Congresso e tudo indica que parlamentares devem votar as benesses, sem as contrapartidas, o que levará a uma nova necessidade de renegociação. As despesas com serviços da dívida representam, em média, apenas 15% das despesas de pessoal. Não limitar o crescimento desta última, significa que o principal fator do desajuste fiscal não foi endereçado e que deveremos reviver este momento em breve.

LINK DA REPORTAGEM DO VALOR ECONÔMICO: http://www.valor.com.br/brasil/4534873/estados-usam-restos-pagar-para-obter-superavit

ARQUIVO EM PDF: RAP Site

“Na alegria e na tristeza… na riqueza e na pobreza… até que a morte nos separe”

Era uma vez uma história de um longo relacionamento entre a União e os Estados. Nesse relacionamento, havia períodos de altos e baixos. No final da década de 90, pelo fim do imposto inflacionário e pelas brechas legais que existiam à época (os estados poderem se endividar com seus próprios bancos), os entes subnacionais incorreram em déficits fiscais insustentáveis e os bancos estaduais geraram um risco sistêmico no sistema financeiro nacional. A União, sabendo dos problemas que iria enfrentar, resolveu celebrar um pedido de casamento, dado o longo período que as partes teriam que conviver juntas para saldar essa dívida.

A época, não havia nenhum mecanismo legal que tornasse essa relação conjugal obrigatória. Pelo contrário, a Constituição Federal de 88, no seu artigo 24, estabelece que “compete à União, aos Estados e aos Municípios legislar concorrentemente sobre: … II – Orçamento”. Dessa forma, entende-se que os entes federados têm autonomia plena para tributar e realizar despesas por meio da alocação seus recursos (orçamento). Tanto é que todo o esforço que o Governo Federal faz atualmente de pequenas normatizações como o de padronizar as práticas contábeis dos entes federados objetivando a aplicabilidade dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal sofrem questionamentos judiciais.

Mas voltando aos anos 90, apesar de não ser obrigatório e devido a pressões políticas, a União resolveu celebrar um acordo em que assumiria a dívida dos estados e de alguns municípios, e ela ficaria responsável por captar esses recursos junto ao mercado. Na ocasião, o custo de financiamento da União junto ao mercado girava a uma taxa bem elevada. Se os estados resolvessem captar esses recursos junto ao mercado, pagariam uma taxa significativamente superior, dado seu estado de semifalência à época. A União celebrou os contratos junto a estados a uma taxa entre 6% a 7,5% + IGP-DI e, em poucos anos, verificou-se que esses contratos foram um péssimo negócio para União, pois ela pagava uma taxa bem superior sobre os saldos assumidos.

Os custos de rolagem dessa dívida junto ao mercado era significativamente superior aos contratos dos estados, ao ponto de acumular uma diferença de R$ 209 bilhões até 2013 (ano em que Lei Complementar (LC) 148, de 2014, alterou os indexadores das dívidas estaduais para a menor taxa entre a SELIC e IPCA + 4% a.a.). Com vistas a evidenciar a ordem de grandeza do montante de subsídios entre a União e os estados, registre-se que ele representou quase a metade (47%) de todos os recursos transferidos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), no aludido período. (Esse tema foi tratado no artigo https://pedrojucamaciel.com/renegociacao-das-dividas-dos-estados-custos-implicitos-e-risco-moral-valor-economico/).

A questão fundamental nesse mecanismo é que a provisão de subsídios não foi equitativa entre os entes estaduais. Apenas o Estado de São Paulo, a título de ilustração, recebeu quase 70% do montante de subsídios “distribuídos”. Outros Estados que receberam grande montante do total distribuído foram: Rio Grande do Sul (9%), Rio de Janeiro (6%), Paraná (3%) e Santa Catarina (2%). Se somarmos todos os Estados do Norte e Nordeste, o “subsídio recebido” foi inferior a 5% do total.

Além da mencionada possibilidade de iniquidade regional, a expectativa recorrente de renegociação da dívida dos entes federativos pode levar a uma situação do que se chama na teoria microeconômica de “risco moral”: por que eu, Estado, irei fazer meu “dever de casa”, colocando as “contas em dia” e ajustando meu fluxo intertemporal entre receitas e despesas se, no final, haverá uma renegociação da minha dívida?

Nos Estados Unidos, quando ocorre um problema financeiro, os governos dispõem de elevada discricionariedade para cortar despesas, inclusive pessoal. Se o problema persistir, há um processo judicial de declaração de falência, no qual os políticos são afastados e a Justiça nomeia um administrador para implantar um plano de recuperação. Caso o plano de recuperação não seja bem-sucedido, a justiça troca o administrador. Dessa forma, você garante que os desajustes fiscais não sejam repartidos com outros entes, além de exigir maior maturidade política e fiscal da população para eleger os seus governantes.

Além dos subsídios já dados pela União, da iniquidade regional dessa distribuição e do risco moral associado, há alguns estados que pretende adotar a velha postura oportunista de lhe dar com o problema: questionar alguns dos termos do (contrato) relacionamento celebrado. Questionaram que os juros cobrados nesses contratos se dariam numa taxa composta, em vez de simples. Minha pergunta: existe algum contrato de empréstimo, em qualquer lugar do mundo, que cobre juros simples sobre o saldo devedor em vez de juros compostos? Se existir, por favor, me informe que estou interessado em pegar. Esses estados que questionam essa cobrança, cobram os valores dos seus devedores que forma? Juros compostos. Se forem captar dinheiro a mercado? Juros compostos. Por que a União terá que “pagar o pato” dessa renegociação? Ela já pagou (R$ 209 bilhões)! Ainda querem mais?

Quem é a União? Somos todos nós que pagamos tributos federais como IPI, IR, Contribuições, etc. Sendo bem objetivo: informo a todos os contribuintes que, se o STF manter o posicionamento preliminar favorável a um determinado estado da Região Sul que fez uma ação questionando a cobrança de juros compostos sobre o contrato de refinanciamento da sua dívida junto à União, as consequências serão as seguintes:

1) Haverá um forte aumento da dívida pública federal em valores superiores a R$ 310 bilhões e o perdão dessa dívida concentrada em poucos estados devedores. Com essa folga financeira, os estados beneficiados terão condições de expandir fortemente as despesas públicas, seja em investimentos, seja com despesas correntes como custeio e pessoal.

2) Haverá um forte aumento dos subsídios às regiões mais ricas do país. O Norte e Nordeste só se beneficiaram em 5% desses empréstimos. Pode parecer que isso, num primeiro momento, não interfere na realidade de cada região, mas tenham certeza que implicará em aumento da carga tributária ou redução nas transferências e nos serviços públicos federais.

3) Haverá uma forte incerteza jurídica no país. Toda vez que uma das partes se sentir fragilizada em determinado contrato e resolver questionar a justiça, para que existirá contratos? Trata-se de o elemento básico de uma economia de mercado.

Voltando para o exemplo da celebração do contrato de casamento de comunhão parcial de bens, ninguém é obrigado a conviver com um parceiro o resto da vida. Ótimo que exista livre arbítrio. Em um processo de divórcio, há a chamada fase de “separação de bens”. No entanto, quando o casal assumiu mais passivos do que ativos, é necessário separar os passivos de cada parte desde o momento em que foi celebrada essa união. Tenham certeza que, se essa separação ocorrer de fato e de forma justa, os maiores perdedores são os estados, notadamente os mais devedores.

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Renegociação das dívidas dos Estados: custos implícitos e risco moral* (Valor Econômico 28/3/2016)

No Brasil, tornou-se praxe os entes federados fazerem pressão política para renegociar os termos das suas dívidas contratadas junto à União, nos momentos em que passam por dificuldades financeiras. Tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal, há dezenas de projetos com esse intuito. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, está em tramitação o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 315, de 2016, com objetivo de recalcular as dívidas estaduais pela taxa de juros simples, em vez da acumulativa.

O impacto fiscal do PDC nº 315/16 é uma transferência em torno de R$ 300 bilhões de dívida estadual para a União, acentuando a atual trajetória ascendente da dívida do Governo Federal, além de gerar forte incerteza jurídica sobre todos os contratos de financiamento em vigor no País. É necessário esclarecer que, nas renegociações dos contratos de dívida dos Estados junto à União, geram-se custos implícitos que são repartidos por toda a federação e que, geralmente, não são discutidos de forma tão clara.

Na última renegociação efetivada, ocorrida no triênio 1997-1999, por meio da Lei 9.496/97, os contratos das dívidas estaduais renegociados com a União implicaram elevado subsídio implícito desta aos Estados. O subsídio ocorreu toda vez em que a taxa de juros paga pelo Estado à União (IGP-DI + 6% a.a. ou 7,5% a.a.) foi inferior à taxa de juros de captação do Tesouro Nacional, que chegou a ser superior a SELIC, dependendo da estratégia de composição dos títulos que financiam a dívida do Governo Federal.

Ao realizar as estimativas desses subsídios, com base na metodologia estabelecida no Texto para Discussão n. 1889 do Ipea, chegamos a um montante de R$ 209 bilhões até 2013 (ano em que Lei Complementar (LC) 148, de 2014, alterou os indexadores das dívidas estaduais para a menor taxa entre a SELIC e IPCA + 4% a.a.). Com vistas a evidenciar a ordem de grandeza desse montante de subsídios, registre-se que ele representou quase a metade (47%) de todos os recursos transferidos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), no aludido período.

A questão fundamental nesse mecanismo é que a provisão de subsídios não foi equitativa entre os entes estaduais. Apenas o Estado de São Paulo, a título de ilustração, recebeu quase 70% do montante de subsídios “distribuídos”. Outros Estados que receberam grande montante do total distribuído foram: Rio Grande do Sul (9%), Rio de Janeiro (6%), Paraná (3%) e Santa Catarina (2%). Se somarmos todos os Estados do Norte e Nordeste, o “subsídio recebido” foi inferior a 5% do total.

O montante do subsídio distribuído foi positivamente relacionado ao montante da dívida renegociada com a União e às taxas de juros impostas. Dessa forma, os Estados que possuíam os maiores níveis de endividamento (em termos absolutos) foram justamente os que mais receberam subsídios. Algumas unidades estaduais da federação, no entanto, chegaram a pagar subsídio à União, em vez de receber, como foi o caso de Alagoas, Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal e Pará, as quais tiveram essa distorção corrigida por meio de descontos retroativos concedidos pela LC 148, de 2014.

Destaque-se que, além da mencionada possibilidade de iniquidade regional ou de outra congênere, a expectativa recorrente de renegociação da dívida dos entes federativos – vez ou outra efetivada – pode levar a uma situação do que se chama na teoria microeconômica de “risco moral”: por que eu, Estado, irei fazer meu “dever de casa”, colocando as “contas em dia” e ajustando meu fluxo intertemporal entre receitas e despesas se, no final, haverá uma renegociação da minha dívida?

De fato, do ponto de vista fiscal, talvez, seja pela existência desse tipo de “incentivo” que a vasta maioria dos entes estaduais não tenha gerido suas finanças de forma responsável nos últimos anos, além de terem adotado conceitos contábeis “criativos” para registro das despesas (e até mesmo de receitas) com objetivo de burlar os limites da LRF.

Nos Estados Unidos, quando ocorre um problema financeiro, os governos dispõem de elevada discricionariedade para cortar despesas, inclusive pessoal. Se o problema persistir, há um processo judicial de declaração de falência, no qual os políticos são afastados e a Justiça nomeia um administrador para implantar um plano de recuperação. Caso o plano de recuperação não seja bem-sucedido, a justiça troca o administrador. Dessa forma, você garante que os desajustes fiscais não sejam repartidos com outros entes, além de exigir maior maturidade política e fiscal da população para eleger os seus governantes.

No mês de março, o Governo Federal anunciou “Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal” que objetiva alongar os prazos para pagamento das dívidas da Lei 9.496/97 e também das operações de crédito que alguns entes estaduais tomaram juntos ao BNDES. É preciso deixar transparente os subsídios (por Estado) que poderão estar implícitos nesse alongamento, além das possíveis iniquidades regionais provocadas por essa política pública.

Não obstante, é preciso reconhecer que as contrapartidas exigidas pela União em termos de responsabilidade fiscal no aludido Plano de Auxílio deveriam ter sido mais audaciosas; de fato, foram desconsideradas importantes reformas estruturais, como o estatuto da estabilidade do servidor público, regras de previdência e regulamentação do direito de greve dos servidores. Ademais, faz-se necessário avançar nos desenhos de mecanismos, a fim de evitarmos incentivos inapropriados para a gestão das contas públicas e de não repetirmos esse processo de desajuste fiscal que levou o Brasil a esta grave crise que atravessamos.

* Autores:

Alexandre Manoel
Pesquisador do Ipea.

Pedro Jucá Maciel
Assessor Econômico no Senado Federal.

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O impacto das despesas de pessoal nas finanças estaduais e os desafios a serem enfrentados

Principais mensagens:

1) O ajuste das contas públicas dos estados passa, necessariamente, pelo maior controle das despesas de pessoal. Esse componente do gasto foi o que mais cresceu nos últimos 4 anos, passando de 6,1% do PIB em 2011 para 6,7% do PIB em 2014.

2) O forte crescimento dessas despesas só ocorreu pela “criatividade” nos registros dessas despesas pelos governos estaduais, para fins de cumprimento dos limites da LRF. Hoje, uma pequena parcela dos estados se encontra dentro desses limites, quando os dados são ajustados.

3) A cada 1% de economia das despesas de pessoal, há uma melhora do resultado primário dos estados em R$ 3,6 bilhões. Apenas para efeito de comparação, o resultado primário total dos estados no ano de 2015 foi R$ 9,1 bilhões.

4) As condicionantes propostas pelo governo para a renegociação das dívidas estaduais estão na direção certa em focar em pessoal, porém poderiam ser mais ousadas em termos estruturais.

Texto Completo:

As despesas de pessoal se tornaram a variável-chave para explicar a deterioração recente das finanças públicas estaduais. No estudo “Finanças Públicas Estaduais: o Processo Recente de Deterioração, suas Perspectivas e as Reformas Necessárias” que será publicado em breve, pude verificar que a deterioração das contas públicas dos estados ocorrida entre 2008 e 2014 pode ser explicada em 28% pelo menor dinamismo da arrecadação e 72% pelo aumento das despesas. Em relação ao aumento das despesas, 88% foi fruto da elevação das despesas de pessoal e apenas 12% dos investimentos.

No ano de 2015, objeto do estudo “Contas públicas estaduais em 2015: melhora do resultado primário, mas piora do perfil fiscal” (https://pedrojucamaciel.com/?p=298) podemos verificar que a melhora do primário foi ocasionada pela forte restrição financeira que os estados sofreram, dada a incapacidade de elevar o endividamento, juntamente com a piora do perfil do gasto público: aumento das despesas de pessoal acima da inflação, enquanto os investimentos foram fortemente reprimidos. Ademais, houve um processo forte de acúmulo de restos a pagar (tema que será objeto de outro post em breve).

Dado o estado de semifalência que alguns governos estaduais chegaram, esses entes se organizaram, mais uma vez, para pressionar o governo federal dar um “alívio financeiro” por meio dos descontos temporários dos pagamentos dos serviços da dívida junto à União. É importante mencionar que esses empréstimos envolvem subsídios implícitos da União junto aos estados e, ademais, os beneficiários são fortemente concentrados nas Regiões Sul e Sudeste (tema que será objeto de outro post em breve). Dessa forma, o Governo Federal já sinalizou que poderá conceder esse “alívio”, no entanto, em contrapartida, exigirá uma série de condicionantes em termos de ajuste fiscal, o que razoável.

Dentre as condicionantes que estão sendo discutidas nas negociações (baseadas nos jornais), estão justamente medidas que visam ao controle dos aumentos das despesas de pessoal. Este fato relevam um acerto de diagnóstico. De fato, as despesas de pessoal são o principal componente dos gastos estaduais. Realizando o cálculo de quanto melhoraria do primário dos estados a economia de 1% das despesas de pessoal, chegamos ao valor de R$ 3,6 bilhões. Para se ter ideia desse montante, o resultado primário total de 2015 dos estados foi R$ 9,1 bilhões (ou 2,5% das despesas de pessoal).

Gráfico 1: Economia gerada pela redução de 1% das despesas de pessoal, em R$ milhões
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Fonte: STN. Elaboração Própria.
* Estados que contabilizam os inativos e pensionistas como custeio
** Dados do orçamento 2015, uma vez que o RREO não estava pronto.

O gráfico 1 apresenta esses resultados por estado. Os dados foram extraídos do Anexo 1 dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) de cada estado, excluindo as operações intra-orçamentárias. Ademais, foram feitos ajustes nos estados que contabilizam as despesas com inativos e pensionistas como custeio para reclassificá-las como pessoal.

Esse aumento recente das despesas de pessoal só foi possível devido a uma lacuna existente na legislação atual que é a inexistência do Conselho de Gestão Fiscal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isso deu liberdade aos estados realizarem a “contabilidade criativa” das despesas de pessoal para fins de cumprimento dos limites impostos pela LRF para esta despesa. O limite total, no nível estadual, é de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL), subdivido em limites específicos para cada um dos três Poderes, Ministério Público e Tribunais de Contas.

O que podemos observar, em quase todos os estados, foram artifícios como a exclusão das despesas com inativos e pensionistas do cálculo ou a troca da contabilização dessas despesas entre os poderes, redução dos valores pagos de imposto de renda pessoa física, abatimento de verbas indenizatórias, não contabilização dos benefícios e auxílios de qualquer natureza, além das despesas de exercícios anteriores. Ademais, deveria contabilizar para fins desses limites as despesas com as organizações sociais, contabilizados como custeio, mas que são serviços fortemente concentrados em pessoal, como nos hospitais e em escolas.

Foi interessante contatar neste estudo as diferenças que existe entre os relatórios exigidos pela LRF. O relatório de Gestão Fiscal, onde os entes demonstram os cumprimentos dos limites das despesas de pessoal, quase todos os estados estão em situação regular. No entanto, quando utilizamos os dados das despesas de pessoal do Anexo I do RREO e os dados de receita corrente líquida do Anexo III, chegamos a resultados complemente diferentes.

Gráfico 2: Despesas de Pessoal, em % da RCL (dados RREO)
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Fonte: STN. Elaboração Própria.
* Estados que contabilizam os inativos e pensionistas como custeio

O gráfico 2 apresenta as despesas de pessoal pela receita corrente líquida utilizando dados do RREO, excluindo as despesas intra-orçamentárias. Foram feitos ajustes nos estados que contabilizam as despesas com inativos e pensionistas como custeio para reclassificá-las para pessoal. O Estado do MS foi excluído pela ausência do RREO de encerramento de 2015 e o DF foi excluído por precisar de tratamento específico para as despesas de pessoal financiadas pelo FCDF.

É importante destacar que as informações levantadas ainda são conservadoras, uma vez que as despesas com organizações sociais não são computadas (e representam uma fração importante do gasto para alguns estados), assim como é importante destacar que nem toda receita corrente líquida pode ser usada para fins de pagamento de pessoal. Como o orçamento brasileiro possui elevada rigidez, as restrições financeiras são maiores do que aparentam.

Considerações finais

As despesas de pessoal possuem características peculiares em relação às demais: quando ela cresce, nunca consegue ser reduzida, já que os servidores são estáveis e a legislação proíbe a redução de salários. Dessa forma, ela deve ser criteriosamente planejada de forma integrada com os serviços públicos demandados. A maioria dos países do mundo adotam hipóteses de ganhos de eficiência para recontratações, uma vez que os meios de trabalho disponíveis, com as novas tecnologias, permitem aumentos de produtividade.

As reformas necessárias para esse componente não podem ser apenas focadas em controlar o seu crescimento, mas também em dar condições aos administradores públicos poderem gerenciar com flexibilidade os recursos humanos com objetivo de ter ganhos reais de eficiência no serviço público. Atualmente, é difícil demitir até servidores comprovadamente corruptos, o que é uma distorção clara do conceito de estabilidade. É preciso revisitar o artigo 169 da Constituição Federal, estabelecer critérios para o direito de greve dos servidores para a população não ficar refém da falta de serviços essenciais e vedar algumas brechas da LRF como, por exemplo, a possibilidade de conceder aumentos salariais com repercussões financeiras no mandato do governante seguintes. O Brasil está mergulhado em uma profunda crise e, tenham certeza, soluções fáceis não nos tirarão dela.

ARQUIVO EM PDF: Despesas de Pessoal

FPE: forte retração no início de 2016 e mensuração do grau de dependência dos estados

Principais mensagens:

1) O ano de 2016 iniciou com retração nominal dos repasses do FPE de 13% em relação ao mesmo período de 2015, ocasionada pela menor arrecadação dos impostos de renda e de produtos industrializados.

2) Como os dados de arrecadação são correlacionados com a atividade econômica, tudo indica que o acirramento da recessão do final de 2015 foi mantido em janeiro de 2016, o que deve provocar efeitos negativos sobre os outros tributos próprios, como o ICMS.

3) O FPE pode ser um fator de instabilidade em 2016 sobre os estados que estavam com a situação fiscal “menos ruim”, como os da região Norte e Nordeste. O grau de dependência do FPE, medido sobre as receitas primárias, chega a ser, em média, 35% na região Norte e 28% na região Nordeste.

O ano de 2016 iniciou com uma péssima notícia para governadores e secretários de fazenda. Houve uma forte retração dos repasses do FPE de 13% nominal em janeiro, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Em termos reais, quando descontamos a inflação de 10,7% pelo IPCA no período, a queda é de aproximadamente 25%.

Gráfico 1: Repasses do FPE, variação do mês em relação ao mesmo mês do ano anterior, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Como o FPE é distribuído com base na arrecadação do imposto de renda (IR) e do imposto sobre produtos industrializados (IPI), o motivo para o baixo desempenho é explicado pelos fatores condicionantes da arrecadação desses tributos. É importante lembrar que a transferência do FPE se dá de forma decendial, com base na arrecadação do decêndio anterior. Dessa forma, a base tributária para as transferências do mês de janeiro foi a arrecadação de IR e IPI último decêndio de 2015 e os dois primeiros decêndios de 2016.

Tabela 1: Arrecadação das Receitas Federais, a preços de janeiro/2016, em R$ e em %
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Fonte: Receita Federal do Brasil

A arrecadação federal total encolheu 6,7% em termos reais em janeiro deste ano, se comparado com 2015, relevando uma forte retração da atividade econômica e da massa salarial no início deste ano.

No caso do IPI, a retração foi de 31%. Pesou nessa queda a redução do volume de saída de cigarros dos estabelecimentos produtores, a alteração da sistemática de apuração do IPI-Bebidas em função da edição da Lei 13.097/15, redução da venda de automóveis de 35% no mercado interno (em que pese a recomposição de alíquotas) e a forte queda de 12% na produção industrial do país.

No tocante ao imposto de renda, houve queda real de 2% em janeiro explicada pela redução da arrecadação referente ao ajuste anual (lucratividade) e ao lucro presumido (atividade), além da queda da massa salarial nominal de 0,8%.

Os dados são reflexos da grave crise econômica que passa o país e que, infelizmente, vem se deteriorando no período mais recente. IBC-Br, medida da atividade econômica do Banco Central , mostra uma queda contínua e cada mais vez mais intensa da atividade na economia. O índice apresentou recuo de 0,2% no primeiro trimestre de 2015 e foi se intensificando até uma retração de 6,3%, nos últimos três meses do ano passado. Em 2015, a queda total foi de 4,1%.

Gráfico 2: Índice IBC-Br, série dessazonalizada, em pontos
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Fonte: Banco Central. Elaboração Própria.

Em termos de impacto sobre as finanças estaduais, essa queda da atividade provoca impactos negativos não apenas às transferências via FPE, mas também aos impostos próprios, notadamente o ICMS, principal tributo do país. Em relação ao FPE, como a sua distribuição tem características redistributivas, os maiores impactos serão observados nos estados mais pobres, do Norte e Nordeste. Esses estados estão com a situação fiscal, até 2015, “menos ruim” que os do Sul e Sudeste.

O grau de dependência do FPE, medido sobre as receitas primárias, chega a ser, em média, 35% na região Norte e 28% na região Nordeste. A Tabela 2 apresenta os dados individualizados por estado. Observa-se que os estados mais suscetíveis às flutuações do FPE são Amapá (56%), Roraima (46%), Acre (45%), Tocantis (37%), Sergipe (36%), Piauí (35%), Paraíba (34%), Maranhão (34%) e Alagoas (33%). Nesses estados, as transferências do FPE representam mais que um terço das receitas primárias totais.

Tabela 2: Grau de Dependência dos Estados ao FPE, em %
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* Exclui do cálculo os estados do Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.
Fonte: STN. Elaboração Própria.

Resultados e Conclusões

Com a intensificação da retração econômica, as contas estaduais devem apresentar tendência de deterioração no início deste ano. Com a incapacidade de redução das despesas de forma significativa pelos estados, dada a forte rigidez das regras de regem o serviço público brasileiro, notadamente sobre as despesas de pessoal, o comportamento do resultado fiscal dos estados é muito dependente do comportamento das receitas. Em que pese o aumento generalizado nas alíquotas de tributos na vasta maioria dos estados neste ano, o efeito da queda da atividade econômica deve se sobrepor. Ademais, a melhora do resultado primário do ano de 2015 foi explicado, basicamente, pela forte retração dos investimentos e pelos atrasos no pagamento a fornecedores (aumento dos restos a pagar). Os estados sofrem cada vez mais restrições para se utilizar desses dois instrumentos neste ano. 2016 inicia com um cenário mais desafiador que o início de 2015 para as finanças estaduais, o que deve pressionar ainda mais o governo federal a postergar o pagamento da dívida desses entes junto à União. Torço para que as contrapartidas exigidas, em termos de ajuste fiscal e reformas estruturais, sejam suficientes para que esse problema não se repita no futuro.

ARQUIVO EM PDF SOBRE FPE